A russa Rosatom coordena infraestrutura e navegação da rota que encurta a travessia entre Ásia e Europa, beneficiando América Latina
Em outubro, um navio porta-contêineres vindo da Ásia fez história ao chegar pela primeira vez ao porto britânico de Felixstowe, por uma rota curta através do Ártico. A embarcação, que partiu da China em 23 de setembro, alcançou a Europa em 20 dias, pela Rota do Mar do Norte, quase duas vezes mais rápido que pelo Canal de Suez.
Todo suporte do trajeto foi realizado pela gigante russa Rosatom do setor nuclear, responsável pela infraestrutura da rota e gestora da única frota de quebra-gelos nucleares do mundo. A viagem comprovou que a rota transártica deixou de ser uma curiosidade para tornar-se parte relevante da logística global, com potencial de beneficiar não só o comércio entre Europa e Ásia, mas também países da América Latina.
Unindo Ásia e Europa
A Rota do Mar do Norte, com 5,6 mil km, reduz entre 30% e 40% a distância entre a parte ocidental da Eurásia e a região Ásia-Pacífico em comparação com o Canal de Suez. O incidente com o navio Ever Given, que bloqueou o Canal de Suez em 2021, provocando seis dias de congestionamento, revelou a vulnerabilidade da rota. Nesse contexto, a Rota do Mar do Norte surge como corredor adicional, mais previsível e livre dos riscos geopolíticos da passagem pelo Oriente Médio e da pirataria nas águas equatoriais.
Com a rota ártica, os fluxos de carga podem ser distribuídos de forma mais equilibrada, aumentando a eficiência como um todo. Outro fator importante é que a Rota do Mar do Norte se estende inteiramente pelas fronteiras de um único país, o que a torna mais segura, sem filas de espera nem grandes riscos.
Exportadores sul-americanos se beneficiam, mesmo que a soja brasileira ou o cobre chileno não passem pelo Ártico. A redução no tempo de transporte de componentes asiáticos ou equipamentos europeus reduz custos de produção e de comércio na região. Também integra a região às novas cadeias logísticas e abre oportunidades para modernização de portos, infraestrutura de transporte e atração de tecnologia e investimentos. Cientistas brasileiros já participam de pesquisas no Ártico, inclusive em programas de monitoramento ambiental, preparando as bases para parcerias científicas e empresariais.
O potencial fica claro no aumento do tráfego. Em 2024, foram 37,9 milhões de toneladas transportadas na região, incluindo cargas em trânsito. A Rússia projeta ampliar esse volume com a criação de um corredor transártico integrado.
Um “corredor verde”
Não é segredo que o transporte marítimo tem forte impacto nas emissões globais. A Organização Marítima Internacional estabeleceu metas de redução até 2030 e de neutralidade em 2050, o que exige soluções reais. A rota se encaixa naturalmente nessa agenda: menos distância, menos combustível, menos emissões.
Mas o assunto não é tão simples. Atravessar o Ártico exige proteção ambiental rigorosa. Para garantir a navegação sustentável, a Rosatom vem reforçando o controle ambiental, incluindo um monitoramento ecológico permanente, conduzido há cinco anos com cooperação internacional. A iniciativa reúne especialistas de vários países, entre biólogos, ornitólogos e oceanógrafos. Os dados são públicos e mostram que, mesmo com o aumento da navegação, o estado ambiental do Ártico permaneceu estável durante todo o tempo de pesquisa.
O gelo deixou de ser uma barreira e tornou-se um desafio de engenharia. Para a América Latina, essa “revolução ártica” acelera o comércio global e aumenta o potencial de parcerias e intercâmbio. A Rota do Mar do Norte prova que crescimento econômico e responsabilidade ambiental podem caminhar juntos — uma ideia plenamente alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e à agenda da COP30, que acaba de acontecer no Brasil.